O que é que a criança sabe, sem saber?

Linguagem e Subjetividade

O que é que a criança sabe, sem saber?

05/2018

O que é que a criança sabe, sem saber?

* Monica de Barros Cunha Nezan

Em um encontro com algumas crianças em uma escola pública da região central da cidade de São Paulo, desenvolvemos um trabalho, cuja proposta inicial veio de um projeto maior intitulado: “Alfabetização e seus avatares: os incluídos excluídos”, da PUCSP coordenado pela professora Dra. Regina Maria Ayres de Camargo Freire, baseado em possíveis ações no campo da Educação, propostas pela psicanalista e professora universitária Ana Lydia Santiago.

Durante alguns meses, fizemos encontros com crianças em idade de alfabetização. Eram encontros individuais e com duração pré-determinada: 3 a 4 encontros com cada criança. Esta prática se apoia no dizer da criança, onde aquele profissional que se aventura nessa aposta, acredita que um saber inédito possa advir, sem garantias ou expectativas (LACADÉE, 2017).

Nos encontros com estas crianças, foi dado espaço para a palavra, e estas se tornaram protagonistas de suas histórias, trazendo à tona algumas questões cruciais, nas quais elas são capturadas, em discursos normatizantes e segregativos (TELLES, 2017).

Norma, uma criança que sempre se colocou dentro das normas do bom comportamento, não sabe ler, nem contar, segundo a professora. Mas, se pergunta a professora: O que tem esta criança que não aprende?

Norma traz um enigma para a professora, um segredo a ser desvelado, que possa ajudá-la a escrever sua própria história, sua maneira de estar no mundo.

Aluna aplicada e sempre presente, Norma mostra seu saber, mas também aponta para algo que ela não pode saber. Do que se trata? Ela afirma que não sabe contar, referindo-se a contar os números na matemática. Sua dificuldade aparece com o “resto” na conta de somar, esquece o número que sobra, na conta.

Ao dar espaço para a criança falar, ela pode sair deste lugar de anônimo, se orientar e se apropriar do seu saber e da sua história. Para reescrever sua história, é necessário ir mais além daquilo que se fala sobre ela, é preciso dar um lugar de fala, para a criança. Nos encontros, ela pode ensinar, com sua dificuldade, que, para aprender a contar (em matemática), é necessário contar o que ficou de fora, o que não pode aparecer.

Para Miller (2017, p.191), “As crianças sabem sempre mais do que imaginam os adultos”. Para ir além do não-saber dos adultos, é necessário, portanto, estar à escuta do saber da criança. Quando o saber não pode aparecer, ele pode vir em forma de sintoma, no qual o aprendizado da leitura/escrita ou da matemática pode ficar opaco e levar o sujeito a se identificar como aquele que não pode saber.

 


REFERÊNCIAS

LACADÉE, P. A vinheta prática tal como ela se elabora no Laboratório do CIEN. In: Brown, N. Macedo, L, Lyra, R. (Org.). Trauma, solidão e laço na infância e na adolescência: experIências do CIEN no Brasil. Belo Horizonte, EBP, 2017, pp. 93-98.

LUTTERBACH, A.L. Da surpresa do impasse à surpresa da invenção: as novas leituras das equipes interdisciplinares. In: Brown, N. Macedo, L. Lyra, R. (Org.). Trauma, solidão e laço na infância e na adolescência: experiências do CIEN no Brasil. Belo Horizonte, EBP, 2017, pp. 189-213.

SANTIAGO, A. L.; ASSIS, R. M. O que esse menino tem. Sobre alunos que não aprendem e a intervenção da psicanálise na escola. Belo Horizonte: Sintoma, 2015.

TELLES, H. P. R. S. A invenção do CIEN. In: Brown, N. Macedo, L, Lyra, R. (Org.). Trauma, solidão e laço na infância e na adolescência: experIências do CIEN no Brasil. Belo Horizonte, EBP, 2017, pp. 13-17.

FREIRE, R. M. A. C. Projeto:Alfabetização e seus avatares: os incluídos excluídos. – Pontifícia Universidade Católica de SP – 2016/2017.

* Psicóloga, psicanalista e mestranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia da PUC-SP da linha de pesquisa Linguagem e Subjetividade. Integrante do grupo de pesquisa: Alfabetização e Seus Avatares/PUC-SP.
E-mail: monicanezan@gmail.com

 

 

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