A Inibição na Produção da Escrita
04/2012
A Inibição na Produção da Escrita
Manoela de S. S. Piccirill*
Tentei por inúmeras vezes redigir este texto. Rascunhei, rabisquei e não cheguei a lugar nenhum. Pensei em desistir, mas repensei a minha ideia sobre não ter chegado em lugar algum. Se eu rascunhei e rabisquei significa que alguma linguagem eu transmiti mesmo que não sofisticadamente.
Mas o que poderia estar acontecendo para que eu não escrevesse do modo como pretendia?
Poderíamos enumerar e discutir várias possibilidades para o que me ocorreu ao tentar escrever, escolherei falar sobre uma questão que penso estar implicada quando não nos colocamos à escrever: A Inibição na Produção da Escrita.
Há muito o mundo da escrita me encanta e ao mesmo tempo me angustia, pois colocar no papel as ideias, para mim, nunca foi muito fácil. Os fantasmas das pessoas me atormentavam, pois imaginava o que as pessoas pensariam de mim ou se gostariam do que eu havia escrito. Mas será que essas eram as razões para uma inibição no momento de produzir um texto? Por que a angústia prevalecia e me impedia de continuar nos encantos dessa linguagem, e ainda, por que dentre os diversos lugares possíveis da escrita, eu, justamente, era levada à angústia?
Diversas pessoas têm a mesma dificuldade em relação à escrita, seja em um momento inicial de seu aprendizado ou mesmo os adultos que já passaram por este processo há algum tempo. Não sabem explicar o porquê não conseguem escrever, mas o certo é que ocorre uma restrição parcial ou, às vezes, total dessa produção.
Quais seriam as causas para não conseguir escrever? O que "paralisa" e angustia essa pessoa?
Sigmund Freud tratou dois conceitos fundamentais que podemos articular com a restrição em escrever. Trata-se de angústia e inibição. Esse autor escreveu em Inibições, Sintomas e Angústia (1926) que a angústia é algo que se sente denominando-a como um sentimento com um caráter de desprazer, podendo esse desprazer ser aliviado por atos de descarga. Então, se a escrita for o ato responsável do alívio da tensão, ela poderá gerar prazer, sendo assim "superada" a angústia.
Freud (1926) lança uma pergunta a respeito da função da angústia indagando em que ocasiões ela se reproduz e logo responde que a angústia surgiu, originalmente, como uma reação a um estado de perigo sendo reproduzida sempre que um estado dessa espécie se repete. Nessa perspectiva, faz-nos supor que escrever deva relacionar-se à ideia (inconsciente) de algum tipo de "perigo" em que a pessoa reprime a função de escrever para não lidar com algum conflito.
Freud (1926) considera a inibição como sendo "a expressão de uma restrição de uma função do Eu. O Eu seria a "instância psíquica que supervisiona todos os processos parciais que ocorrem na pessoa" (FREUD, 1923, p.31) e que a partir desse Eu os recalques procedem.
Para Freud (1926) existe relação entre a inibição e a angústia e considera que algumas inibições representam o abandono de uma função por esta prática causar mal-estar. Cogitamos, assim, que inibir uma escrita seria tentar inibir uma angústia que não se sabe da onde vem e qual o seu nome, justamente por se tratar da ordem do inconsciente, onde esse é parte da estrutura decisória de todo sujeito e que, através dele, podemos entender diversos fatores como a dificuldade no escrever.
A partir desse contexto é possível pensarmos na alfabetização. Porém, é preciso discutir as condições em que a escrita é oferecida à criança, pois as possibilidades devem ser criadas a partir da realidade social, histórica e subjetiva de cada um.
Cagliari (2006) afirma que se a escrita fosse apresentada às crianças de uma forma mais coerente com sua realidade, muito provavelmente teriam uma relação mais próxima com essa linguagem.
Quem sabe se admitíssemos olhar as pessoas em sua singularidade seria menos complicado perceber seus sofrimentos e escutar a possível causa de suas angústias.
Neste contexto, analisamos as dificuldades durante a alfabetização por uma perspectiva diferente da que temos visto tão frequentemente. Um aluno com tais impedimentos muitas vezes recebe diagnósticos de distúrbios e muito rapidamente tem a medicalização como principal via de intervenção. Nesta direção, o ser humano fica tomado apenas na sua dimensão biológica, esquecendo-se de seu psiquismo e de sua existência social e histórica.
Devemos olhar o ser humano como um sujeito portador de uma história que, engendrado nesta, ao escrever, discorre suas letras num papel, formando palavras que dão cor ao seu texto.
Referências bibliográficas
(1) FREUD, Sigmund. Inibições, Sintomas e Angústia. (1926). In: ______. Um estudo autobiográfico; Inibições, sintomas e angústia; A questão da análise leiga e outros trabalhos. (1926[1925]). v. 20. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
(2) O Eu e o Id. (1923). In: ______. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. (1923-1940) v. 3. Rio de Janeiro: Imago, 2007.
(3) CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & Lingüística. São Paulo: Scipione, 2006.
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