O sujeito para a análise de discurso (ad)

Linguagem e Subjetividade

O sujeito para a análise de discurso (ad)

04/2018

O sujeito para a análise de discurso (ad)

* Marcel Amaral Marques Ferraz

A Análise de Discurso, diferentemente da Linguística, considera o discurso como um efeito da articulação de língua, história e sujeito. “As palavras mudam de sentido segundo as posições ocupadas por aqueles que as empregam”, (HAROCHE, 2011, p. 27 e 28). Essa disciplina foi engendrada como uma crítica às ciências sociais. Influenciado por Althusser e sua releitura do conceito de materialismo histórico de Marx, por Lacan e a reformulação que este fez da psicanálise freudiana, e pela linguística engendrada por Saussure, Pêcheux estruturou a Análise de Discurso (AD).

Para a AD o sujeito é dividido, não há unidade e sim pluralidade, como anunciado pela psicanálise, é uma invenção da linguagem. A sua constituição é atravessada por diversos fatores externos ao próprio sujeito. Segundo Pêcheux (1988), o sujeito se constitui pelo esquecimento daquilo que o determina. Esquecimento no nível de ocultação de sua causa e não de algo de que foi ciente em algum momento; constituído também pelo que o antecede, caracterizado por Lacan (1964) como o campo do Outro ou o grande Outro. Pêcheux se refere a esse campo como Sujeito, com a letra s em maiúscula. Para a AD, o sujeito do discurso não é autor desse discurso, mas alimenta o equívoco de sê-lo. O sujeito fala atravessado pelo discurso do Outro/Sujeito. A linguagem está nesse campo do Outro/Sujeito, considerada como algo do sempre-já-lá, precedente ao sujeito e não inerente à natureza humana, externa a todo sujeito falante (GADET; HAK, 1997).

Para Althusser (1974), o sujeito é um efeito ideológico elementar. É elementar por não ser a consequência de algo. O indivíduo é interpelado pela ideologia como sujeito, e o indivíduo é sempre-já sujeito, pois já o é antes de seu nascimento. A ideologia familiar, atravessada por tantas outras ideologias, sejam elas religiosas, políticas e outras, dão-lhe um nome, um lugar, uma identidade, inserem-no em um contexto histórico, ou seja, o indivíduo não tem escolha, é-lhe imposto ser sujeito e interpelado a assumir um espaço no sistema de produção. A interpelação “podemos representar-nos com base no tipo da mais banal interpelação policial (ou não) de todos os dias: «Eh! você»”, (op. cit., p. 99). O sujeito não tem condições de optar por estar dentro ou fora da ideologia, é atravessado por ela, assujeitado a uma condição que, por mais que pareça evidente, escapa aos seus olhos. A pretensão do dispositivo da Análise de Discurso é de tornar visível a contradição das evidências. “É a ideologia que fornece as evidências pelas quais “todo mundo sabe” o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve, etc., [...]. (PÊCHEUX, 1988, p. 160). A contradição está no próprio significante proferido pelo sujeito do enunciado. A AD apontará a contradição proferida pelo sujeito denunciando a ideologia que o atravessa.

Althusser (1974) realiza uma analogia entre ideologia e inconsciente ao se referir à Freud. Refere que a ideologia não tem história, como o inconsciente também não, ambas concepções são eternas no sentido de serem omnipresentes. O sujeito, portanto, é efeito do inconsciente, este estruturado como linguagem (Lacan (2003), e da ideologia que é constituída inconscientemente em si mesma. A ideologia e o inconsciente têm em comum a capacidade de “dissimular sua própria existência” (Althusser, 1974, p.152) e de serem a causa do sujeito.

“As ideologias não são feitas de ideias mas de práticas” (op. cit., p. 144) e “Só há prática através de e sob uma ideologia; só há ideologia pelo sujeito e para sujeitos” (op. cit., p. 148). Essas práticas são realizadas por meio de Aparelhos Ideológicos de Estado, nomeação utilizada por Althusser (op. cit) para se referir a escolas, família, igrejas, instituições de um modo geral, diferentemente de Aparelhos Repressivos de Estado, anunciados por Marx, como o governo, o exército, a polícia..... A diferença entre os dois aparelhos é que o primeiro funciona pela ideologia e o segundo pela violência.

A ideologia torna os sentidos comuns a todos os sujeitos, sem equivocidade. Interpela os indivíduos em sujeitos através da linguagem, fixando o sujeito em uma posição. Pêcheux (2006, p. 55) comenta que todo discurso é passível de interpretação, mas alimentamos “a ilusão que sempre se pode saber do que se fala, isto é, se me compreendem bem, negando o ato de interpretação no próprio momento em que ele aparece”. A língua como um efeito da linguagem é uma estrutura autônoma atravessada pela ideologia, captura o indivíduo constituindo-o em sujeito, logo, os significantes vem do Outro/Sujeito, este também causa do inconsciente. Chamamos este processo de subjetivação.

A língua é equivoca, logo, o sujeito e seu discurso também o são. “O equívoco é, portanto, a dimensão onde todo enunciado está “suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro” (PÊCHEUX, 2006, p.53).” Somos submetidos à língua, não há como não sê-lo, pois a língua(gem) precede o sujeito. Todos os significantes já existem, não é o sujeito que os realiza, mas os toma para si no processo de subjetivação. O sujeito, pela teoria da subjetividade de Pêcheux, não é senhor de si mesmo, mas também não está fadado a permanecer em determinada posição. O sujeito poderá se deslocar de uma posição para outra. O sujeito é capturado pela língua e determinado pelo contexto histórico no qual está inserido. (Orlandi, 2007), “O sujeito está sujeito à (língua) para ser sujeito da (língua)”.

Portanto, o sujeito na AD é um sujeito assujeitado a uma condição pré-estabelecida, determinado a ser sujeito em um contexto específico, atravessado pela língua e história. Interpelado por algo que o precede e que é sua causa, pois o sujeito não é sua causa em si.

 


REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Trad. J.J. Moura Ramos. Lisboa: Presença/Martins Fontes, 1974.

GADET, Françoise; HAK, Tony (Org.). Por uma Análise Automática do Discurso: uma introdução à obra de Pêcheux. Tradução Bethânia S. Mariani et al. 3. ed. Campinas: UNICAMP, 1997.

HAROCHE, Claudine et.al. A semântica e o corte saussuriano: lingua, linguagem, discurso. Tradução Roberto Leiser Baronas e Fábio César Montanheiro. In: BARONAS, Roberto. Análise do discurso: apontamentos para uma história da noção conceito de formação discursiva. 2. ed., São Carlos: Pedro & João Editores, 2011. p.13-32.

LACAN, Jaques. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

______. O sujeito e o outro (I): a alienação. In: O SEMINÁRIO — Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. 4. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1964. Cap.XVI, p.193-204.

ORLANDI, Eni P. A questão do assujeitamento: um caso de determinação histórica. Comciência. Campinas: LABJOR-UNICAMP, n. 89, jul. 2007. Disponível em: <http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=26&id=…;. Acesso em 05 abr. 2018.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução Eni Orlandi. Campinas: UNICAMP, 1988.

______. O discurso: estrutura ou acontecimento. Tradução Eni Orlandi. 4. ed. Campinas: Pontes, 2006.

* Psicólogo, psicanalista e mestrando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia da PUC-SP da linha de pesquisa Linguagem e Subjetividade. Integrante do grupo de pesquisa: Alfabetização e Seus Avatares/PUC-SP.

 

 

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