Autismo, linguagem e escrita: alguns apontamentos

Linguagem e Subjetividade

Autismo, linguagem e escrita: alguns apontamentos

05/2017

Autismo, linguagem e escrita: alguns apontamentos

Glaucineia Gomes*

Para falar do autismo, a opção feita foi trazer a discussão empreendida por dois autores importantes na abordagem do tema, os psicanalistas franceses, Jean Claude Maleval e Eric Laurent, com significativas e atuais reflexões sobre um assunto que vem despertando grandes paixões. Destaco o que estes autores afirmam em relação à escrita dos autistas.

Laurent (2014) salienta diversas e complexas maneiras de lidar com a linguagem, no autismo: mutismo, monólogos incompreensíveis, não endereçados e criação de neologismos. Muitos dos sujeitos desenvolvem a faculdade de comunicação, adquirem aptidões linguísticas, com um uso original da língua. De maneira geral, elas demonstram necessitar que os deixem tranquilos. Recusam-se a incluir qualquer coisa que seja íntimo em sua enunciação. Em geral, a voz enunciativa não pode estar implicada. Tem dificuldade de ceder ao Outro a sua voz. Costumam fazer relatos de fatos, sem conteúdo afetivo.

Laurent (2014) destaca que uma palavra qualquer que se pronuncia pode submeter uma criança autista a um horror particular, trazendo um excesso de excitação que invade o seu corpo, podendo ser a marca de um acontecimento traumático, que os equívocos podem proliferar perigosamente para o sujeito.

Laurent (op. cit.) cita o fenômeno das “frases espontâneas” pronunciadas abruptamente por autistas, repetidamente, seguidas de profundo silêncio. Há um traumatismo da linguagem sobre a criança autista, fazendo com que a apresentação da palavra na primeira infância seja mais silenciosa, com sons específicos ou palavras estereotipadas, mas não faz com que um sujeito tenha a mesma relação com a linguagem, ao longo da vida. Mesmo com consequências traumáticas no encontro entre a linguagem e o corpo da criança, alguns autistas escrevem intensamente. Muitas crianças que não falam podem escrever muito bem, algumas coisas ilegíveis e outras legíveis.

“De acordo com Maleval (2014), os escritos dos autistas tem algumas características comuns: são escritos para que os seus autores possam ser reconhecidos como inteligentes e demandam reconhecimento. Alguns consideram-se como porta-voz para outros autistas e outros querem que os não autistas reconheçam a inteligência do autista, para que ele não seja rejeitado. Eles se dizem autistas e, ao escrever, o fazem em nome dos autistas. Alguns escritos dos autistas são escritos “a duas vozes”, no qual autor se apoia em outra pessoa de seu meio para conseguir conduzir bem seu trabalho de escrita.

Para Jean-Claude Maleval (2012), é preciso escutar aos autistas, seu modo de funcionamento, a sua posição subjetiva, para que se busque oferecer-lhes a possibilidade para que novas invenções e saídas singulares sejam encontradas por cada um. De acordo com Temple Grandin (apud Maleval, op. cit.) “Se eu pudesse, num estalar de dedos, deixar de ser autista, não o faria, porque eu jamais seria eu mesma. Meu autismo faz parte integrante do que eu sou”. Se os autistas, em seus escritos, esperam ser reconhecidos em sua particularidade, pode ser interessante consentir com a expressão de Maleval e aprender com aquilo que se dispõem a nostransmitir, sempre partindo da aposta da psicanálise de que há um sujeito incluído naquilo que fala e nos escritos que escreve, como forma de existir no mundo.


Referências Bibliográficas:

LAURENT, E. A batalha do autismo: da clínica à política. Trad. Cláudia Berliner, 1. Ed. Rio De Janeiro, Zahar, 2014..

MALEVAL, J.C. Por que a hipótese de uma estrutura autística? In: Opção Lacaniana online nova série Ano 6, Número 18, novembro 2015. Texto originalmente publicado em La Cause du désir, nº 87/88 e 89, com o título: “Pourquoi l’hypothèse d’une structure autistique?”. Paris: ECF, 2014. Disponível em: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_18/
Por_que_a_hipotese_de_uma_estrutura_autistica.pdf

MALEVEL, J.C. Escuchen a los autistas. Grama. Buenos Aires, 2012..

Glaucineia Gomes de Lima (glaucigomesl@gmail.com) – Psicanalista e professora universitária.

 

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