A clínica fonoaudiológica: sua relação de escuta à fala
08/2009
A clínica fonoaudiológica: sua relação de escuta à fala
Cláudia Fernanda Pollonio*
Na prática clínica fonoaudiológica, é comum que pacientes procurem o atendimento para “resolver os problemas” de leitura e escrita, fala, motricidade oral, voz. Em contato inicial, fazem referência à necessidade de “aprender alguns exercícios”, “como fazer para se corrigir?” ou ainda “curar-se do problema”. Subjacente a esses dizeres, há o endereçamento ao fonoaudiólogo da responsabilidade por livrar-lhes do incômodo provocado pelo sintoma; afinal, trata-se do profissional elegido legal e oficialmente para lidar com os sintomas de linguagem e às questões a eles atreladas.
Verifica-se que o dizer do paciente revela o seu modo de conceber o trabalho fonoaudiológico. O uso dos termos “aprender”, “exercícios”, “corrigir”, “curar” se articulam a uma concepção corretiva de clínica, tão difundida no meio fonoaudiológico e nas veiculações sobre a profissão. Note-se que o paciente acredita que somente obterá a “cura” por meio de: a) uma exercitação ortopédica da musculatura envolvida na fala; b) um trabalho discriminatório, perceptual que favoreça a fala, bem como a adequação da leitura e escrita; c) técnicas para sanar alterações vocais. Trata-se de vias possíveis de conduzir uma clínica, mas não definidas hegemonicamente como “o modo” de atuação do fonoaudiólogo.
O fato de a clínica fonoaudiológica se orientar comumente por uma perspectiva médica e/ou pedagógica permite que a condução de um caso guie-se em direção à obtenção da cura, da remoção do sintoma e, para tanto, o paciente precisa colaborar e treinar para aprender outros modos de falar/escrever/coordenar os movimentos musculares e vocais.
Partindo de uma perspectiva oposta, outros campos de aproximação e de diálogo teórico são convocados por elegerem o sujeito em sofrimento como cerne do trabalho clínico. O corpo, em especial cérebro/boca/orelha, é lugar importante, mas não essencial ao fonoaudiólogo. A ele interessa como o sujeito significa o seu sintoma nesse corpo. Eleger o sujeito – em relevância ao organismo – adveio de uma leitura outra, atravessada, de um lado, pela Psicanálise lacaniana e, de outro, pelo modo como a Linguística, representada por Saussure e Jakobson, pôde orientar os estudos dos campos de Aquisição e Patologias de Linguagem. Tais leituras produziram frutos no interior do campo fonoaudiológico, em especial o salto teórico do organismo para o sujeito, bem como a eleição do método linguístico-discursivo como propulsor da clínica – marcada pela singularidade, pelo “cada caso tem nome próprio”.
Efeitos dessas aproximações são notados ao longo dos atendimentos quando pacientes referem: a) “aqui você me escuta, eu posso falar. No outro fonoaudiólogo eu só seguia as orientações coladas no meu caderno de terapia e, na minha casa, eu treinava os exercícios 3 vezes ao dia” b) “nesse tempo todo eu vi que você me escutou. Cansei de ir em médico e eu falo, falo e eles não ouvem. Aqui eu falei até demais e acho que aí descobri que não preciso ter medo de falar. Então ficou tudo bem e eu acho que vou continuar assim, sem gaguejar”; c) “eu descobri que se fico bem e não me irrito, a minha voz não some”; d) uma criança que iniciou o tratamento por dificuldades de escrita e recusava-se a escrever produz em uma sessão: “no fim de semana eu fui na Saraiva e comprei o Harry Potter. Eu li bastante e fiz anotações importantes, olha aqui[...]”.
O trabalho clínico cuja primazia é a escuta para o singular de um sujeito permite que as mudanças não sejam apenas na estrutura muscular, na articulação ou na discriminação auditiva; põem em relação que as mudanças linguísticas implicam a relação com o outro e envolvem, sobretudo, mudanças subjetivas.
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