coluna-e-preciso-re-pensar-a-forma-de-avaliar-o-paciente

Linguagem e Subjetividade

coluna-e-preciso-re-pensar-a-forma-de-avaliar-o-paciente

12/2021

É preciso (re)pensar a forma de avaliar o paciente

* Rafaela Joaquim Frizzo

Caro (a) leitor (a), este texto tem como foco refletir sobre como estamos avaliando nossos pacientes pois, muitas vezes, optamos por seguir um roteiro ou um protocolo específico e direcionado para uma determinada dificuldade, mas, será que isso é necessário?

Para tanto, trago minha experiência profissional e pessoal, a qual justifica a escrita sobre esse tema. Sou fisioterapeuta e em minha dissertação avaliei o desenvolvimento neuropsicomotor de uma criança cardiopata a partir de um protocolo. No começo, não me questionava sobre os direcionamentos propostos por este protocolo, já que seguia tudo o que estava sendo pedido, desde a abordagem com a criança, até como deveria me comportar perante o processo avaliativo.

No entanto, reparei que isso causava o efeito contrário, sendo assim, pude rever minha postura e me reposicionar na condução clínica. Ao contrário do que propunha o protocolo utilizado, comecei a sentar ao lado da participante e deixá-la à vontade; iniciávamos a sessão com a atividade que mais gostava - explorar minha caixa - a qual continha os brinquedos pertinentes ao protocolo - e isso fez com que a criança me visse como alguém que não estava avaliando e sim como alguém que estava “brincando”, “ensinando”. A cadeira e a mesa que eu utilizava para aplicar as atividades foram substituídas pelo chão e o meu colo.

Deixei espaço para que sua singularidade se sobrepusesse ao protocolo avaliativo. No início, eu estava presa a técnica e aos resultados, porém, quando os coloquei de lado e priorizei a paciente, o processo fluiu e, a partir disso, o inesperado apareceu e pude dar continuidade a avaliação.

Posto isso, gostaria de ressaltar que não, necessariamente, precisamos dispensar um roteiro ou um protocolo, no entanto, é preciso cuidar para que a sessão não se torne rígida, mecânica, o que impossibilitaria a entrada da subjetividade e colocaria a doença e a técnica em primeiro lugar.

Com essa rigidez na sessão, o próprio profissional apresenta uma tensão durante o processo. Um exemplo: caso o paciente desfoque do que está sendo perguntado ou deixe as emoções emergirem, a confiança e a segurança do profissional pode se fragilizar, afinal, esta reação não estava no “script”.

Dentro disso, quando algo sai fora do roteiro, o profissional pode apresentar um incômodo, mas será que esse incômodo não é uma alerta para que ele mude de postura, de discurso ou, até mesmo, observar o que o seu inconsciente está fazendo emergir? Porque o paciente, na maioria das vezes, toca em algumas de nossas feridas e com isso, pergunto: “Estamos preparados para lidar com elas?”.

Se estivermos ocupando o lugar de terapeuta, ao lado do paciente, estaremos prontos para lidar e, ao mesmo tempo, aprender com o paciente e ele aprender conosco, Caso não, deixaremos essa ferida aberta e, automaticamente, não conseguiremos conduzir  demanda que chegou até nós.

Repensar no processo avaliativo dá trabalho, mexe em crenças e em tudo o que nos foi ensinado na graduação ou em cursos fora da grade curricular, todavia, temos dois caminhos: apagar o subjetividade ou mostrá-la, depende do que queremos e como queremos.

Queremos deixar o paciente à vontade? Estamos dispostos a abrir nossa escuta e notar que ali há um pedido de amor ou queremos apenas cumprir a tabela de horas, escrever no prontuário o que ocorreu na sessão e não refletir em nada nos ditos e não ditos? A escolha é nossa, o caminho a ser escolhido é de nossa responsabilidade, sem adição ou subtração.

Esse novo olhar para o paciente exige tempo, cuidado e muita vontade, mas temos que estar dispostos a renunciar ao que é confortável e conhecido.

Portanto, leitor(a), repensar sobre o tema que foi abordado nesse texto faz com que entre em discussão o porquê avaliar e como avaliar um paciente. Essa discussão pode gerar inúmeras críticas, porém, o faço ressalva ao seguinte ponto: o de não ficarmos presos a protocolos ou perguntas fechadas, pois isso faz com que tratemos todos os pacientes de forma generalizada sem levar em consideração cada caso individualmente, uma vez que, não temos o poder de prever o que o outro irá dizer ou qual será sua reação diante de nossas propostas. Ademais, o paciente não quer uma resposta pronta para sua queixa e sim uma ajuda para percorrer o caminho que leve até a resposta.

Referências

ARANTES, Lúcia. Diagnóstico e clínica de linguagem. 2001. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos de Linguagem) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2001.

FERNANDES, João Claudio Lara. A quem interessa a relação médico paciente? Cad. Saúde Públ, Rio de Janeiro, v.9, n.1, 1993.

TRINDADE, Eliana Mendonça Vilar.; ALMEIDA, Helcia Oliveira de.; NOVAES, Maria Rita Carvalho Garbi.; VERSIANE, Estela Ribeiro. Resgatando a dimensão subjetiva e biopsicossocial da prática médica com estudantes de Medicina: relato de caso. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v.29, n.1, 2005.

*Fisioterapeuta pela PUC-SP Mestranda em Comunicação Humana e Saúde pela PUC-SP E-mail: rafaelajfrizzo@hotmail.com

 

Colunas Anteriores

 

2021  

2012  

2011  

2009  

Menu
PUC-SP
J.PUC-SP
Sou PUC