Educação impossível
06/2015
Educação impossível
Janaina Venezian*
Freud (1925) já indicava um problema estrutural relacionado à educação. Para ele, educar - bem como governar e psicanalisar - é uma profissão impossível. Para explicar tal afirmação faremos um breve percurso pela teoria psicanalítica freudiana sobre a sexualidade infantil e sua relação com o saber. Em “Três ensaios sobre a sexualidade” (1905), Freud diz que “De início, a atividade sexual se liga a funções que atendem à finalidade de autopreservação[...]” (Freud, p.186), como o mamar, uma das primeiras experiências de prazer da criança. Em busca deste prazer, da satisfação da zona erógena envolvida, ou satisfação sexual, a criança poderá vir a sugar o dedo, ou ter outras experiências relacionadas a pulsões parciais, derivadas da pulsão sexual: as pulsões oral, anal e escópica. Em função da moral e do próprio eu, ao evitar o desprazer que pode advir destas experiências, tais memórias são recalcadas. Posteriormente, ocorre a construção da genitalidade, momento em que a pulsão sexual dirigirá sua busca a um único objeto, que pode ser qualquer um, sexual ou não. É necessário em um dado momento uma renúncia pulsional do sujeito em prol do processo civilizatório, de estar no laço social (Quinet, 2006), estes objetos ora escolhidos devem ser renunciados e os representantes mentais deles, recalcados. O representante da pulsão reprimida pode ser sublimado, parte dele é recalcada, se torna conteúdo inconsciente e parte dele pode dirigir-se a outros fins que não apenas os sexuais, é aqui que entra a educação. “A pulsão é dita sublimada quando deriva para um alvo não-sexual” (Kupfer, 2000, p.42) Assim, de certa maneira, educar tem relação com reprimir e oferecer outras possibilidades.
Até o momento estamos falando de uma primeira educação, pré-escolar, que possibilita a constituição do sujeito, e opera na relação da criança com os pais ou daqueles que cumprem a função de pai e mãe.
É na fase pré-escolar também que as crianças fazem suas “pesquisas sexuais infantis” (Freud, 1905, p.199), demonstrando um instinto de saber. Teriam origem na descoberta da diferença sexual anatômica entre homem e mulher e, num raciocínio semelhante ao anterior, as curiosidades sexuais são recalcadas e aparecem em perguntas diversas do porquê das coisas, ou seja, aparecem de maneira sublimada; para suas dúvidas constroem teorias sexuais próprias, sendo que a informação fornecida pelos adultos sobre o sexo será interpretada de forma peculiar por cada criança (Freud, 1908). Esta curiosidade sustenta o pensar mesmo posteriormente, na idade escolar e durante toda a vida, pois logo que sabemos a resposta para um enigma, “criamos outros, os porquês não são uma fase, mas um elemento da estrutura da razão humana.” (Voltolini, 2006, p.43)
Sendo assim, por que educar seria impossível? Vejamos o que Kupfer (2000) nos diz: O educador deve promover a sublimação, mas sublimação não se promove por ser inconsciente. Deve-se ilustrar, esclarecer as crianças a respeito da sexualidade, se bem que elas não irão dar ouvidos. O educador deve se reconciliar com a criança que há dentro dele, mas é uma pena que ele tenha se esquecido de como era mesmo essa criança. (p. 50)
Ou seja, a divisão do sujeito entre consciente e inconsciente, que se impõe nas situações exemplificadas por Kupfer e, em tantas outras, torna estas ações da educação impossíveis de serem concluídas plenamente.
A ideia de um sistema inconsciente, formulada por Freud, implica que o homem não possui controle pleno e consciente sobre suas ações, pensamento e fala. Os atos falhos, por exemplo, mostram que o individuo que fala o faz por efeito de seu consciente e também de seu inconsciente. “...não [somos] senhores nem mesmo em nossa própria casa uma vez que não estamos totalmente no comando daquilo que pensamos”. (Voltolini, 2006)
Um outro ponto fundamental que reforça este impossível do educar, é o fato de ser uma profissão que se apoia nas palavras, de origem arbitrária em relação a seu significado, não portando garantia alguma de que aquilo que foi falado será aquilo que foi escutado. Estamos frente à opacidade e a polissemia da linguagem.
O resultado das palavras, explicações e intervenções na escola têm seu objetivo, porém o futuro é impalpável, e assim, impossível de ser previsto. A aposta do professor está sempre sobre um solo de incertezas e, para transmitir seu saber, precisa enfrentar este desafio, criando modos de intervir sobre o inesperado que encontrará em sala de aula.
Apesar de impossível, Freud (1925) diz que os educadores não devem deixar de empenhar-se. O educador “tem o objetivo de orientar e assistir as crianças em seu caminho para diante e protegê-las de se extraviarem” (p.342) Uma maneira de aproximar-se do ato educativo seria aceitar que ao final não estaremos plenamente satisfeitos e que apesar do planejamento, algumas ações serão decididas na hora, como diz Kupfer (1998) “no imprevisto e no improviso”.
Referências bibliográficas
FREUD, S. Três ensaios sobre a sexualidade infantil, 1905. Edição Standart Brasileira das Obras Completas, v. 7, Rio de Janeiro: Imago, 1976.
FREUD, S. Sobre as teorias sexuais das crianças, 1908. Edição Standart Brasileira das Obras Completas, v. 9, Rio de Janeiro: Imago, 1976.
FREUD, S. Prefácio à juventude desorientada, de Aichhorn, 1925. Edição Standart Brasileira das Obras Completas, v. 19, Rio de Janeiro: Imago, 1976.
KUPFER, M. C. Desventuras de uma estagiária em Bonneuil. Estilos da clinica, São Paulo, v. 3, n. 4, 1998 . KUPFER, M.C. Freud e a educação – o mestre do impossível. São Paulo: Escuta, 2000.
QUINET, Antonio. Psicose e laço social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
VOLTOLINI, R. Pensar é desejar. In: Revista Educação Especial: Biblioteca do professor, n.1, Freud pensa a educação. São Paulo, Ed. Segmento, pp. 36-45, ago, 2006
* mestre em Fonoaudiologia pela PUC-SP, possui aprimoramento em "Fonoaudiologia nos distúrbios Psiquiátricos da Infância e Adolescência". Atualmente é fonoaudióloga em consultório particular e integra a equipe do “Trapézio - grupo de apoio a escolarização”.
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