A escola e o bebê: é possível educar?

Linguagem e Subjetividade

A escola e o bebê: é possível educar?

12/2011

A escola e o bebê: é possível educar?

Juliana Mori*

Em virtude das novas demandas de trabalho, da família e dos novos formatos da vida moderna, nossas crianças são expostas, cada vez mais cedo, ao cotidiano escolar. Kupfer afirma sobre a criança moderna: é uma criança indissoluvelmente ligada ao escolar(1). É daí que pensar o espaço escolar, nos dias de hoje, nos impõe um exercício de reconhecimento do seu lugar social e da sua função para a criança.

Vinda para dar conta de um dos ideais da democratização, a escola instituiu-se ao longo dos anos como a principal experiência coletiva na infância, cumprindo uma função constituinte para a criança que vai muito além da ação pedagógica.

Com o passar do tempo, é visível e significativo o aumento do número de horas passadas na escola (há crianças que chegam a ficar 12 horas de seu dia no contexto escolar) e a precocidade de sua inclusão neste sistema (em torno dos quatro meses de vida, coincidindo, em muitos casos, com o tempo de licença maternidade). Deste modo, a criança vive ali, junto com os outros bebês e os educadores, a oferta de ações de cunho da satisfação das necessidades diárias que levam a uma construção simbólica, o que institui e constitui o sujeito e seu saber.

Ao falarmos disto, torna-se necessário trazermos a concepção de que quando uma criança chega ao mundo ela é recebida por um adulto que lhe apresenta o social injetando sua existência por meio de cuidados com suas necessidades básicas de alimentação, higiene, ritmo de sono e vigília. Ao nascer, o bebê, em sua impotência originária é tomado pela mãe (ou quem cumpre esta função) na direção de outorgar-lhe um funcionamento. A mãe antecipa para a criança o funcionamento de seu corpo e com isso, oferece à criança um lugar no mundo. Ela investe na criança com sua linguagem. Fala com seu bebê na tentativa de armar uma correspondência(2) ao desencontro que há entre o bebê e o mundo. Desencontro este ao qual a criança está submetida o tempo todo. Ao introduzir o bebê em uma história, o adulto faz leituras deste ser que, a princípio, conta apenas com as funções e manifestações de um organismo; ele aposta sempre no que virá a ser e confia no desdobramento de uma diferença da condição primeira e elementar do bebê. Assim, temos um sujeito que, apesar de sua singularidade, depende do outro para que sua constituição aconteça.

Deste modo, torna-se necessário, visto o tempo precoce em que as crianças vão para a escola, a quantidade de horas que passam lá e, por conseqüência, o quanto estes cuidados com as necessidades básicas da criança são tarefas hoje também dos educadores, considerar o espaço escolar como um lugar constitutivo para a criança, com valor de referência e transmissão.

E é exatamente neste ponto que podemos identificar uma função educativa da e na escola. Em psicanálise, é a construção de um saber(3) proveniente das marcas de sua relação com o Outro(4) que podemos chamar de educação. Educar é transmitir marcas simbólicas que possibilitem ao pequeno sujeito usufruir de um lugar no campo da palavra e da linguagem(5).

É certo que não podemos dizer que dá na mesma ou os pais ou os educadores cumprirem esta função na criação. O exercício desta função implica uma condição desejante por parte do adulto (por isso, é mais possível que a mãe ocupe esta posição); implica o estabelecimento de um circuito pulsional entre o adulto e o bebê, no qual o bebê ocupa um lugar preciso na equação do desejo materno(6). Mas, é imprescindível considerarmos esta configuração a que estão submetidos a mãe e seu bebê e como os educadores de hoje são figuras extremamente importantes que compõe a constelação que cumpre a função materna e que é decisiva para o sujeito acontecer.


Referências bibliográficas

(1) Maria Cristina Kupfer. Educação para o futuro. Psicanálise e Educação. São Paulo. Ed. Escuta. 2007. 3a edição.
(2) Expressão utilizada por Julieta Jerusalinsky em grupo de estudos
(3) Aqui utilizo a palavra saber no contexto da psicanálise e sugiro a leitura do texto "A infância, a escola e os adultos" de Leandro de Lajonquière para um melhor entendimento.
(4) Outro grafado com maiúscula – refere-se a um termo da psicanálise Lacaniana e assinala a instância de funcionamento de linguagem, o registro do simbólico – a lei, o significante, o inconsciente, a linguagem;
(5) Leandro de Lajonquière. A infância, a escola e os adultos.
(6) Ver o desenvolvimento desta colocação em "A criação da criança: letra e gozo nos primórdios do psiquismo". Julieta Jerusalinsky.Tese de doutorado em psicologia clínica: PUC-SP, 2009.

 

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