O sujeito nas intervenções da psicanálise nas escolas
12/2017
O sujeito nas intervenções da psicanálise nas escolas
Maria Célia Delgado de Carvalho*
A questão do sujeito é fundamental de ser abordada quando pensamos a possibilidade de uma intervenção em escolas baseada na psicanálise. Sujeito em psicanálise, não se refere àquele que toma a palavra e fala. Freud e Lacan mostraram que o sujeito vai muito além daquele que se conhece e se assume conscientemente. Pode parecer óbvio, mas é dessa divisão que partimos para dar espaço para o sujeito aparecer em sua singularidade ao falar. Para Lacan (1970), o paradoxo do sujeito está em sua profunda dependência da ordem da linguagem advinda do fato de falar. Para ele, o próprio sujeito é um efeito de discurso.
Freud (1915) estabelece a diferença entre o eu e o sujeito do inconsciente. A fenda do recalcamento faz com que, na fala, o eu que toma a palavra diga sempre algo a mais do que pretende. Esse a mais fala de uma verdade que incide sobre o sujeito determinando seus sintomas, emperramentos e dificuldades atravessados por um gozo ligado a seu inconsciente.
O inconsciente se organiza como uma linguagem que tem seus próprios códigos e seus próprios símbolos. Essa é a linguagem que influenciará a fala do sujeito. Lacan usou a figura topológica da banda de Moebius para representar o sujeito, no qual o mais íntimo de seu ser Kern Unseres Wessens, seu cerne, é também o mais êxtimo¹, pois é constituído a partir do Outro. Ao mesmo tempo em que o sujeito está imerso no mundo da linguagem que o constitui, o que mais o caracteriza está além da linguagem, na alingua² como Discurso do Outro. Desta forma, sujeito na psicanálise define-se como fruto de um efeito significante correspondente à divisão entre o eu que fala e o inconsciente que determina o sujeito sem que ele o saiba.
O sujeito de que falamos aparece como um eclipse, um raio que transcreve uma irrupção e deixa cair um objeto difuso que é tão-somente a borda do vazio, objeto a, no qual Lacan condensa causa, falta, Outro e gozo. O inconsciente instaura um corte, uma impossibilidade de se tomar o sujeito pelo seu eu. Se o eu se quer completo, uno, correto, o sujeito é, por estrutura, dividido, falho, desconcertado. Podemos tomá-lo também como desconcertante, inconveniente, intruso quando, ao comparecer pela fala, carrega a marca do equívoco, do engano. A pessoa gramatical que mais se aproxima do sujeito não é o eu mas o ele, aquele de quem se fala, o sujet que no francês é também o assunto.
É no viés dessa determinação do sujeito pelas relações que estabelece com o Outro que a intervenção da psicanálise nas instituições, particularmente nas escolas se faz possível. Por meio da escuta psicanalítica é possível intervir tanto sobre as falas dos adultos que provocam identificações nas crianças, quando sobre as crianças no sentido de apontar para elas a possibilidade de se desvencilharem de posições fixas que estão sendo atribuídas ao Outro.
¹Extimo é um neologismo criado por Lacan para falar de algo íntimo que há em algo externo, usado pela primeira vez no seminário 16 – De um Outro ao outro – 1969.
²Alingua é um neologismo usado por Lacan para explicar que a fala do sujeito está baseada em algo a mais do que a língua que fala, o discurso do Outro.
Referências Bibliográficas:
Carvalho, M.C.D – (2004) “O sujeito na psicanálise” – in Stylus: revista de psicanálise, n. 8: “Sujeito e gozo” –Rio de Janeiro – Associação Fóruns do Campo Lacaniano.
Freud, S. – (1915) “O Inconsciente” –in ESB, v.XIV – Imago Editora, 1974 – Rio de Janeiro.
Lacan, J. – (1970) Sclicet 2,3 – “Le clivage du sujet et son identification” – Editions du Seuil – Paris.
Lacan, J. – (1998) “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano” – in Escritos – Tradução Vera Ribeiro - Revisão técnica Antonio Quinet e Angelina Harari – Jorge Zahar Editor – Rio de Janeiro.
*Maria Célia Delgado de Carvalho é psicóloga, psicanalista, doutora em Psicologia pela University of the Witwatersrand e pesquisadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia da PUC-SP da linha de pesquisa Linguagem e Subjetividade.
Contato: mariaceliadcb@gmail.com
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