A posição do aprendiz no discurso dos professores

Linguagem e Subjetividade

A posição do aprendiz no discurso dos professores

09/2013

A posição do aprendiz no discurso dos professores

Cinthia Ferreira Gonçalves*

Desde a década de 1990, a Educação tem sido tema de relevância no Brasil e o fonoaudiólogo passa a fazer parte de discussões para enfrentar as questões relacionadas ao fracasso escolar e à inclusão. Partindo do pressuposto de que a posição do aprendiz no discurso dos professores gera efeitos na alfabetização, este estudo se propôs a analisar a posição que o aprendiz ocupa no discurso dos professores e seus desdobramentos: que discurso é esse? Quais seus efeitos? Há relações subjetivas entre a posição que o aluno ocupa no discurso dos professores e a constituição do sujeito na/ pela escrita?

Esta pesquisa é de caráter qualitativo. A coleta de dados foi feita com um grupo de professores de uma escola do estado de São Paulo, durante a atividade de Formação Continuada. Os dados discursivos coletados por gravação e transcritos foram analisados à luz da Análise de Discurso de linha francesa.

A análise dos dados permitiu-nos identificar:

  • O assujeitamento do professor à ideologia dominante do discurso pedagógico caracterizado por um discurso autoritário, institucionalizado, não havendo um posicionamento singular do professor;
  • A ideologia dos professores sobre o que seja a linguagem, a aquisição da fala e da escrita;
  • A posição de aprendiz ocupada pelo professor.

Diante disso, deparamo-nos com um professor desvalorizado e desamparado, que se considera incapaz como consequência de sua posição discursiva de “não saber” decorrente de vários fatores, dentre eles: da entrada de diversos profissionais na escola que ocuparam o espaço do professor para instrumentalizá-lo; do estabelecimento de aulas para que o professor assista, como na atividade denominada de Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC); do Curso de Formação Continuada que identifica o professor como alguém que permanece em “formação”, ou seja, nunca está formado; do binômio fracasso social/ fracasso escolar que equipara qualquer aluno a um fracasso social.

Esta análise nos levou a concluir que o professor coloca o aluno em uma dada posição subjetiva de quem não sabe e é incapaz de aprender. Desta posição, o professor não tem como acreditar, apostar e investir no seu aluno, tendo como efeito o fracasso do estudante na escola. Há, portanto, relações subjetivas entre a posição que o aluno ocupa no discurso dos professores e a constituição do sujeito na/ pela escrita.  

Além disso, o professor também é visto nesta posição: de quem “não sabe”, ocupando também o lugar de aprendiz. Entretanto, esta pesquisa nos levou a questionar a posição que o aprendiz toma no discurso. Por haver um incômodo por parte do professor em se ver nesta posição, presente em seus dizeres, pensamos na seguinte questão: seria o aprendiz alguém desprovido de saber?

Ao observarmos que o professor se desloca pouco na estrutura discursiva, pensamos em uma proposta de trabalho fonoaudiológico com ele. Pelo discurso, é possível pensar em uma abertura na fala destes profissionais dado que estamos todos sob os efeitos da fala do outro, e, desta maneira, os professores poderia, ao deslocar-se, ficar sob o efeito de seu próprio saber, afastando-se da ideologia que os desvaloriza e da posição de aprendiz. Esta proposta não se configura em ensinar o professor, nem instrumentalizá-lo, mas contribuir para uma ressignificação do trabalho do professor. Pelo deslocamento do professor na estrutura discursiva, é possível o aluno ser deslocado neste discurso, e, desta forma, deixar de ser um fracasso na escola.


Referências Bibliográficas:

ALTHUSSER, L. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Lisboa. Presença, 1970

ASSOLINI, F. E. P. Discurso Pedagógico Escolar: condições de produção, interpretação e a emergência da autoria. In: TFOUNI, L. V. Múltiplas Faces da Autoria. Rio Grande do Sul: Ed. Unijuí, 2008

BISCARO, C. O Discurso sobre o Programa de Conservação Auditiva: a ideologia e seus efeitos. São Paulo, 2007. Dissertação de Mestrado. Disponível na internet: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3689

BERBERIAN, A. P. Fonoaudiologia e Educação, um encontro histórico. São Paulo. Plexus editora, 1995

CARDA, M. C. P. e TOMMASIELLO, M. G. C. O que pensam os futuros professores sobre as ATPC – Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo. Disponível na internet: http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/10mostra/5/507.pdf

CASTELLANO, G. B. e FREIRE, R. M. C. A. Análise de Discurso de Sujeitos Disfônicos. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. V. 11. p. 43-51, 2006

CAVALHEIRO, M. T. P. Trajetória e possibilidades de atuação do fonoaudiólogo na escola. In: LAGROTTA, M. G. M., CESAR, C. P. H. A. R. A fonoaudiologia nas instituições. São Paulo: Lovise, 1997

CONSELHO FEDERAL DE FONOAUDIOLOGIA, 2 ͣ REGIÃO. Fonoaudiologia na Educação: Políticas Públicas e Atuação do Fonoaudiólogo. Comissão de Educação, 2010

DE LEMOS, C. T. G. Das vicissitudes da fala da criança e de sua investigação. Cad. Est. Ling., Campinas, (42): 41-69. Jan./ Jun., 2002

DUBOIS, J., GIACOMO, M., GUESPIN, L., MARCELLESI, C., MARCELLESI, J. B., MEVEL, J. P. Dicionário de Linguística. São Paulo: Ed. Cultrix Ltda, 1973

GADET, F. e HAK, T. (orgs).  Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux.  Campinas:  Ed. Da Unicamp,  1993/ 1990/ 1969.

GIROTO, C. R. M.  Perspectivas atuais da fonoaudiologia na escola.  São Paulo: Plexus, 2 edição,  2001.

HAROCHE, C.  Fazer Dizer, Querer Dizer.  Trad. Eni P. Orlandi.  São Paulo:  Hucitec, 1992.

KREFTA, S. 2011.  Metodologia de Ensino e Educação infantil: algumas considerações sobre a trajetória da escola infantil no Brasil.  Disponível na internet: http://www.pedagogia.com.br/artigos/metodologiadeensino/index.

ORLANDI, E. P.  A Linguagem e seu funcionamento: as formas do Discurso.  Campinas: Pontes Editora,  2011/ 2003 / 1983.

............................. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes,  2000.

............................. O que é Linguística?  São Paulo:  Brasiliense,  1994/ 1986.

............................. As formas do silêncio.  Campinas: Unicamp, 1992.

............................. Segmentar e recortar.  In Linguística: Questões e controvérsias(pp. 9-27). Série Estudos 10. Publicação do curso de Letras do Centro de Ciências Humanas e Letras das Faculdades Integradas de Uberaba. Uberaba, MG. 1984

PÊCHEUX, M. O Discurso: estrutura ou acontecimento.  Trad.: Eni Pulcinelli Orlandi.  São Paulo:  Pontes, 2002/ 1990.

......................... Ler o Arquivo hoje.  In ORLANDI, E. P. (Org.).  Gestos de Leitura: da História no Discurso.  Campinas:  Editora da Unicamp,  1994.

........................... Análise Automática do Discurso (AAD-69) in: GADET, F. e HAK, T. (orgs).  Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Pêcheux. Campinas:  Editora da Unicam, . 1993.

......................... Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio.  Tradução de E. P. Orlandi et alii. Campinas: UNICAMP, 1988.

PÊCHEUX, M. e FUCHS, C.  A propósito da Análise Automática do discurso: Atualização e perspectivas (1975) in: GADET, F. e HAK, T. (orgs.).  Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Pêcheux.  Campinas:  Editora da Unicamp,  1993.

SILVA, A. P. B. V.  Psicogênese da Linguagem Oral e Escrita.  Curitiba:   IESDE Brasil S. A,  2009.

TFOUNI, L. V.  Letramento e Alfabetização.  São Paulo:  Cortez Editora,  2010.

TFOUNI, L.V. e SERRAT, D.M.M.  A escrita em entremeio com a oralidade. Rev. Contextos Linguísticos.  Vitória. V. 6, n. 7. P. 177-195,  2012.

 

Colunas Anteriores

 

2021  

2012  

2011  

2009  

Menu
PUC-SP
J.PUC-SP
Sou PUC