Psicanálise: do tratamento do autismo ao cuidado com o casal parental

Linguagem e Subjetividade

Psicanálise: do tratamento do autismo ao cuidado com o casal parental

07/2018

Psicanálise: do tratamento do autismo ao cuidado com o casal parental

Pauline Luise von Brusky Sales da Fonseca Herbach*

Se prestarmos atenção, durante uma gravidez, perceberemos que no seio das famílias implicadas, o bebê que está sendo gerado, já é falado. Um nome é escolhido, articula-se uma história de antepassados, incluem-se personagens atuais, dando-lhe consistência antecipada, antes do nascimento.

Quem trabalha na clínica da Infância sabe então que os bebês mesmo muito pequenos, são, como no dizer de Françoise Dolto (2015), seres da linguagem. Chegam embebidos em palavras, em significantes, que farão de uma forma ou de outra, parte de sua história. E durante seu tempo de infans (não falante) ainda o representarão.

Sua existência virá ocupar, mesmo que inconscientemente, o lugar de Ideal de Eu, (Freud, 1996) desse casal parental (cada um com o seu) e de preferência, satisfazer esse ideal, correspondendo com seu ser no mundo, aquilo que os pais tanto quiseram ser, mas também deixaram escapar. Não se encaixando no que já poderia lhes parecer um fardo a cumprir, uma exigência anterior e exterior as suas possibilidades e desejos.

Embora ninguém, mesmo os pais do bebê, como vimos, seja capaz de preencher o nível de satisfação esperado de um ideal (no imaginário dos pais deles ), pode acontecer, que esse bebê idealizado, ao invés de fechar a ferida narcísica vinda de geração em geração, apresente entraves muito precoces em seu psiquismo. Como no caso do Autismo. E se torne um infans por mais tempo do que esses pais poderiam supor. Assim pais (ou cuidadores), continuarão sendo seus interlocutores. Mesmo que não entendam o que a criança queira ou precise. Vão tentar contar o que aconteceu, sem saber o que acontecerá, através de seus temores e hipóteses, ao buscar ajuda. E levar sua história de desapontamento, de incompreensão, de rejeição que possam sentir pela não resposta do bebê aos seus estímulos. E mesmo o abandono do sonho, do entusiasmo infinito que sentiam antes de sua chegada. Esperavam “sua majestade o bebê”, e agora só veem o real daquele pequeno corpo.

“O bebê percebe no olhar e na voz do Outro, de seus próximos, que ele é a origem de surpresa e prazer. O investimento libidinal fálico do qual ele é objeto, o coroa de tal forma a esquecermos que ele não é grande coisa, ele se transforma em “His Majesty the Baby” (Laznik, 2016, p. 35) ou não. Segundo a autora, o investimento libidinal dos pais “não poderia se sustentar em uma imagem inerte” (op. cit., p. 36). Sem receber um olhar, um estender de bracinhos, pequenos sons, algum sinal prazeroso de que uma troca, uma comunicação, um vínculo os enlaça.

E é aí também que a importância singular da Psicanalise se apresenta na clínica da infância, (que engloba os entraves graves) diferente de todas as outras ofertas de cuidado. A aquisição da linguagem que tanto se espera, como sinal de saúde, não é um ato isolado: não é falar como um papagaio. Faz parte e é decorrência de diversos processos psíquicos que levam a subjetivação, nem sempre obedecem a uma ordem cronológica e são minuciosamente observados, escutados, interpretados, colocados em palavras para a criança. E implicam necessariamente os pais e sua fantasmática. Qual o lugar e o papel do psicanalista? Como mostra Maud Mannoni (2004) em A Primeira Entrevista em Psicanálise, “a sua força reside no simples fato de que ele se aceita como ponto de encontro: é por ele, para além dele, que uma verdade poderá ser apreendida pelo Outro. Ele não é nem chefe espiritual, nem guia, nem sobretudo educador. Não tem a preocupação de dar uma ordem ou desejar um sucesso. O seu papel é permitir que o verbo se faça” (p. 118) E nesse caso escuta pais, filhos e mesmo, o silêncio.

REFERÊNCIAS

DOLTO, Françoise. A imagem inconsciente do corpo. Editions Gallimard, 1994 para a presente edição Tout est Langage. Editora Perspectiva, 2015.

FREUD, Sigmund. Sobre o Narcisismo: uma introdução. Imago, v. XV, 1996.

LASNIK, M. C. Distinção clínica e teórica entre autismo e psicose na infância. Instituto Langage, 2016.

MANNONI, Maud. A primeira entrevista em psicanálise: um clássico da psicanálise. Elsevier, 2004.

* Psicóloga clínica e psicanalista, graduada pela Universidade São Marcos. Pos-graduada em Psicopatologia e Saúde Pública, pelo NUPSI USP. Mestranda em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica- SP. Grupo de pesquisa: Alfabetização e Seus Avatares / PUC-SP.
Email: lindodia8@yahoo

 

Colunas Anteriores

 

2021  

2012  

2011  

2009  

Menu
PUC-SP
J.PUC-SP
Sou PUC